Viver de maneira sustentável em um ambiente fechado, onde cada recurso é limitado e tudo precisa ser reciclado, é essencial para astronautas que habitam a Estação Espacial Internacional (ISS) e será ainda mais crítico em futuras colônias na Lua ou em Marte. E esse é um conceito que também se aplica à Terra.
Na Semana Mundial do Espaço, que ocorre de 4 a 10 de outubro, esse paralelo entre os desafios da vida em órbita e a sustentabilidade ambiental na Terra ganha destaque.

Assim como a ISS, nosso planeta opera como um sistema de circuito fechado. Isso significa que tudo o que é consumido precisa ser reposto de alguma forma e os recursos devem ser reciclados, caso contrário, haverá escassez, e a vida no habitat se tornará insustentável.
Com seus ecossistemas interligados, a Terra tem uma capacidade de carga limitada, como alertou o relatório “Limites do Crescimento“, do Clube de Roma, em 1973. A crescente demanda por energia, alimentos e água, somada à poluição causada pelas emissões de gases de efeito estufa, tem acelerado as mudanças climáticas e coloca à prova a capacidade do planeta de sustentar a vida como a conhecemos.
Os efeitos das mudanças climáticas, como secas, incêndios florestais e eventos climáticos extremos, são sinais de que estamos nos aproximando de um ponto crítico. Para evitar que essa situação se agrave, precisamos adotar estratégias de reciclagem, redução de desperdícios e produção sustentável de recursos, princípios já aplicados em habitats espaciais.
Um estudo recente do Centro Aeroespacial Alemão, publicado na revista Sustainable Earth Reviews, sugere que as tecnologias desenvolvidas para habitats espaciais podem ser aplicadas na Terra para promover a sustentabilidade.
Práticas espaciais que podem ser adaptadas à Terra
Os pesquisadores destacam quatro aspectos essenciais que permitem que habitats espaciais operem de forma fechada e sustentável, e mostram como essas práticas podem ser adaptadas para o nosso planeta:
1. Gestão dos recursos:
Em um ambiente espacial, tudo o que os astronautas utilizam, desde alimentos até energia, deve ser cultivado ou produzido de forma controlada. Por exemplo, a extração excessiva de gelo lunar para obtenção de água pode esgotar rapidamente esse recurso. Na Terra, a agricultura intensiva, a pesca excessiva e a mineração desenfreada são exemplos de como exploramos os recursos naturais sem pensar nas consequências de longo prazo. Precisamos de um gerenciamento mais cuidadoso dos nossos recursos para evitar que eles se esgotem rapidamente.
2. Reciclagem:
A reciclagem é vital em um habitat espacial, pois o desperdício significa uma perda irrecuperável de recursos. Se os resíduos não forem reutilizados, o habitat sofrerá uma redução gradual em sua capacidade de manter a vida. Da mesma forma, na Terra, a reciclagem ajuda a minimizar o uso de novos recursos e reduz a poluição ambiental. A criação de um sistema de reciclagem mais eficiente pode ajudar a reduzir a produção de lixo e garantir que recursos valiosos sejam reutilizados.
3. Autossuficiência:
Os astronautas dependem de reabastecimentos ocasionais da Terra, mas um habitat espacial precisa ser amplamente autossuficiente, capaz de produzir e reparar tudo o que precisa para funcionar. Na Terra, promover a autossuficiência nas comunidades, seja por meio da produção local de alimentos ou de energia, pode reduzir as emissões de carbono associadas ao transporte de recursos. As tecnologias para promover a autossuficiência também podem melhorar a resiliência das comunidades contra interrupções externas, como desastres naturais ou crises econômicas.
4. Resiliência:
A Terra tem sustentado a vida por bilhões de anos, mas nosso uso excessivo de seus recursos está ameaçando essa resiliência. Um sistema de circuito fechado, seja no espaço ou na Terra, deve ser capaz de suportar mudanças e continuar operando indefinidamente. Precisamos garantir que nossos ecossistemas permaneçam funcionais e saudáveis, mesmo diante de pressões como o aquecimento global e a destruição de habitats.
Leia mais:
- Torre com “formato de DNA” em Taiwan traz habitação sustentável
- Biotecnologia azul: quais os benefícios e perigos para o meio ambiente?
- Vila vertical repleta de árvores começa a ser construída na França
Tecnologias espaciais contribuem para a sustentabilidade do planeta
Muitas das tecnologias desenvolvidas para a exploração espacial já estão contribuindo para a sustentabilidade na Terra. Um exemplo claro são os painéis solares. Embora tenham sido inventados em 1954, eles só se popularizaram com a utilização no espaço, onde fornecem energia para satélites desde 1958.

Atualmente, os painéis solares são amplamente usados na Terra e contribuem para a geração de energia limpa, sem as emissões de dióxido de carbono das usinas de carvão ou os resíduos perigosos das usinas nucleares. Até 2023, a energia solar respondia por 5,5% da eletricidade mundial, um número que continua a crescer à medida que mais pessoas adotam essa fonte renovável.
Outra tecnologia espacial com aplicações na Terra é a agricultura controlada. Na ISS, os astronautas cultivam vegetais, como alface, em um ambiente fechado e controlado. Esse sistema usa “almofadas de sementes” com fertilizantes e argila, além de luzes LED projetadas para otimizar a fotossíntese.
Essa técnica está sendo adaptada para a “agricultura vertical” em áreas urbanas aqui na Terra, onde é possível cultivar alimentos usando menos terra e água, enquanto reduz a necessidade de transporte e, consequentemente, as emissões de carbono.
Reciclagem de água é essencial à sobrevivência
A reciclagem de água na ISS é crucial, pois o transporte de água da Terra é caro. A estação utiliza um sistema que transforma vapor d’água, suor e até urina em água potável. Por aqui, essa tecnologia foi adaptada para criar filtros portáteis que permitem que comunidades carentes tenham acesso a água limpa, especialmente em regiões onde a água potável é escassa.
Outro grande desafio no espaço é a remoção de dióxido de carbono do ar. Na ISS, um sistema desenvolvido pela Agência Espacial Europeia (ESA), o Sistema Avançado de Circuito Fechado (ACLS), converte 50% do dióxido de carbono em oxigênio, sem a necessidade de grandes quantidades de água da Terra.
Esse tipo de tecnologia de captura de carbono também está sendo adaptado para uso na Terra, com ventiladores gigantes projetados para remover o CO2 da atmosfera e mitigar os efeitos das mudanças climáticas.
Keith Cooper, jornalista britânico graduado em astrofísica, destacou em um artigo para o site Space.com que, apesar dos benefícios potenciais, os programas espaciais são frequentemente criticados por seu alto custo e pelas emissões de carbono associadas aos lançamentos de foguetes. “Cada lançamento pode liberar até 300 toneladas de CO2 na atmosfera. No entanto, as tecnologias desenvolvidas para a exploração espacial são uma forma de compensar esses impactos, enquanto nos ajuda a construir um planeta mais sustentável”.
Conforme compara Cooper, a Terra é, portanto, nossa “espaçonave” mais importante, e as lições que aprendemos com a vida no espaço podem ser aplicadas para garantir que ela continue a ser habitável para as gerações futuras.
O post Vivemos em uma espaçonave chamada Terra – você vai entender por quê apareceu primeiro em Olhar Digital.